Berceuse

"las guirnaldas pueden ser fúnebres, lo comprendí después"

b.

Hoje passaram por mim um belo homem e sua gravata borboleta. Foi rápido, as mãos no fim da camisa branca guiavam o timão e colocavam o navio a todo o vapor. Naquele mar tudo parou por um instante. A lua esperou, esbarrou de subir, quis contemplá-lo de perto. E o mar silenciou as ondas, quis ouvi-lo. No entanto ele era violento e forte, um pequeno capitão, um mini-déspota, um micro-tirano. Pilotava como quem se jogasse à morte, ou como quem fosse salvar alguém dela. Partiu sem deixar um olhar, um só sorriso atrás do qual eu pudesse correr. Meu coração atravessou a cidade e não soube onde o buscar. Calei meus prantos mexicanos, deitei na cama, tomei meu chá.

"

a.

Mais uma vez abandonada em Yonville, procuro salvar as cartas afogadas em sangue e as esperanças incendiadas na brasa que há muito se extinguiu de meu corpo. Minha respiração se cala. (Meu coração - se ainda o tivesse - trepidaria fortemente). A noite é intensa, tremenda, terrível. Creio que será infinita, como tantas outras. Percorro fios, sigo rastros e me perco no labirinto do tempo. Um tempo cíclico cheio de ausências e desesperos, repletos da imagem de Mme Bovary em meu espelho. Na fuga vejo o esposo medíocre e submisso. Os amantes perversos. Um juiz maldito a me culpar. Há trezentas em mim e não suporto conviver com nenhuma delas. Todos os dias elas acordam gritando em minha cabeça e perseguindo tua imagem longínqüa e cruel. Todas as noites são soturnas e frias, mesmo quando tenho o balanço de um corpo ou a embriaguez de um cigarro. Meus membros não se movem. Meu pensamento esbarra numa parede. Minha alma sairia pela boca num gesto, se fosse possível mover meus lábios. A única coisa viva em mim é uma lágrima, essa espécie de veneno que insiste em corroer meu rosto e minha vida, muito mais triste que a de qualquer personagem de Flaubert e qualquer filme de Chabrol.
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01.

Eu vi aquela boca vermelha
Saindo de uma nuvem amarelada
E ela me falava com gosto de caramelo
(viva, muito viva)
Falava de coisas lindas soturnas misteriosas estrangeiras
Trazia uma nostalgia de tudo aquilo que tivera
Mesmo não podendo ter
Tudo aquilo que me foi possível possuir,
Tudo aquilo que era tão impossível quanto palpável.
E entre músicas que povoavam minha alma
Começou a pesar o silêncio
O silêncio que dizem ser tão cheio de sons quanto o branco é cheio de cores
(Sendo que para mim ambos não passam de ausência)
E aquela boca vermelha se tornou um trem
Um trem que passava, atrás do qual eu saía correndo.
Ou um pássaro, que alimentava na esperança de um retorno.
E a nuvem se tornou estrela.
E a estrela foi coberta por uma nuvem.

De poeira.

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05.

Queria poder capturar teu cheiro
E não teria mais que beijar bocas de livros.
É triste ter de lembrar-me da tua beleza
Quando o céu se veste com a cor de teus olhos.

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09.

Um barulho de prata entra pela janela fechada
E uma música sem fim se espalha pela casa.
De olhos bem fechados, vejo uma tênue luz pela fresta da porta povoada de livros.
E meus pés se perdem entre canções
Minhas mãos jogam poemas no chão
O mundo gira sem que eu saiba que é redondo
Minha visão, cega, só vê tua luz.
Numa dança metafórica eu me perco
Tentando manter os pés no chão
Chorando por dentro, doendo por fora
Clamo por um pouco de coerência, de concretude
Mas o fogo queimou todos os planos que fizera:
o que restou foi esperar o retorno do céu.

E o céu não retornou jamais.

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12.

Como num sonho onde dos livros jorrasse água,
Onde os olhos vertessem palavras.
E a boca engolisse algas marinhas,
Eu te vi sumir em abraços amarelos
E calei o meu coração de mar.

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21.

Havia medalhas douradas penduradas nas portas: indícios de vitórias, de guerras, de ordens religiosas. Pela janela entravam relâmpagos e temores e a cama tinha cada nome em seu lugar.
Os meus olhos se espalhavam pelo chão e eu tinha medo de pisar nos dele. Tinha música em todas as paredes, em todos os tetos, em todo o mármore.

Tarólogos egípcios e tocadores de realejo entraram pelo portal e revelaram meu destino:
teria sempre de levar nos braços o cheiro, nos olhos as lágrimas.
E as palavras na garganta.

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27.

Eu solto pássaros sem saber se eles morrem.
E eu ando passos.
E os dias correm.

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31.

Nunca acreditei nas palavras, nas canções, nos filmes, nos livros,
Nos muros, nas orações, nas meditações, nos mantras,

Nunca acreditei na beleza
Na minha, na sua, na do mundo
E nunca acreditei na esperança
De ser mais nobre e mais sã.

Nunca acreditei na sua dor
Na sua alegria, no seu cansaço
Nunca acreditei na sua permanência
(nem na sua ausência,
nem no seu adeus).

¨

35.

Mada Primavesi me visitou através do espelho,
Nessa época, eu era a mulher do meio.
Penteava os cabelos escutando Rigoberto
E perdia os brincos na cama do sacerdote.

Ohei pra Mada e lembrei da menina
Que se escondia na janela,
Que conhecia os horários do passantes.
Lembrei das chuvas de gelo no telhado amarelo de alumínio.
E do canteiro de milho e hortelã.

Depois fixei meus olhos nos dela
E vi a mulher que adoeceu de amor,
Que cruzou um oceano pra fugir do medo.
Vi a mulher que vive de choro, de saudade, de riso.

Pisquei os olhos e sorri.
Mada Primavesi desapareceu.
Ou simplesmente encarnou no meu espírito.

¨

42.

Sua pele vestida de branco só me diz nadas.
Assim como suas palavras sins de ecos nãos.

Cala.

Quando teus olhos forem translúcidos,
Te abrirei as vísceras e o coração.

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44.

É bom e mau o modo como as coisas se dão como eu queria que se dessem.
E não há como tomar do fado aquilo que não é meu.
Assim como hei de cumprir venturas antes encontradas
E de viver destinos previstos no antes do futuro.

Tem gente que quanto mais tempo passa, mais fome sente.
Eu não.


¨

46.

Às vezes acho que vou desmaiar de tanto ser eu,
De ser eu tão profunda e superficialmente
Quanto águas marinhas ou algas pluviais
De ser eu tão sendo outra pra completar-me,
Tão simbiótica impossível de desatar
A ponto de ser porque há um outro que é.
Dói minha asa esquerda, e pendo para seu lado
A asa direita está quebrada, ou sou cotó.
Calço sapatos alheios que se ajustam perfeitamente.
(Mas me machucam os pés)
Meus óculos estão quebrados, uso outras lentes
(Preciso ver que não sou cega)
O sono deve me fazer levantar e prosseguir
- como o álcool depois do éter -

Hei de encontrar um modo de ser sem dormir.

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57.

Nada posso fazer pelas tuas mãos cheias de algemas:

O que posso é voar.

¨

58.

Eu queria a felicidade aos pedacinhos
Queria beijar-te somente as mãos.

Mas há uma espada cravada em meu ombro
E eu acaricio a terra que há de me abrigar.

Todos os fogos invadem meu corpo,
Desdenho teu sorriso.

Amanheço, dia claro e eu sem caminho
Olho teus olhos, enxergo nãos.

Meu coração se esconde (escombro entre escombros)
E teu sorriso começa a me embriagar.

Solidão enche meu copo
Repleto de tudo o que não preciso.

¨

60.

Silenciei minha voz, fantasma meu.
Silenciei porque não quis gritar teu nome,
Porque não quis destruir os espelhos de tua sala,
Porque não quis ferir nenhum coração,
(e porque não seria a mim que darias a mão)

Não esqueci de nossas noites embriagantes
E fervi calada no quarto, como água que não arde
Fui fortaleza sem vida, livro esquecido na estante.

Sonhei com tuas brancas mãos,
Escrevi versos, morri toda tarde.

¨

71.

Farol ruidoso, mar distante, imagem de mim:

Imploro que abra suas mãos e as crave a(r)madas nesse coração
Que sempre foi – e você nunca quis –
Seu.

¨

79.

E cada passo teu é uma lágrima de meus olhos,
Uma confusão em meu peito,
Uma angústia profunda e uma saudade perene.

Como se o sertão de meu leito perdesse a última gota d’água,
Como se minha terra tivesse toda a sua vida salgada,
Como se eu vivesse cada dia meu em vão.

¨

82.

A folha em branco é qualquer
Coisa como um receptáculo
Ou um caixão, onde tento
Enterrar tudo aquilo que
Insiste em permanecer vivo.

¨

84.

As sardas
Das tuas
Costas nuas
São como eu!

(Quase nada
Diante do
Mundo branco)

Que és
Tu no mundo
Meu.

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